sexta-feira, 29 de julho de 2011

Zumbi de Palmares

Estendendo-se de meados do século XVI aos fins do XIX, a escravidão, nas Américas, de africanos e descendentes foi um dos episódios mais dolorosos da História dá Humanidade. Mas a toda essa crueldade, que despovoou a Africa e vitimou milhões de seus melhores filhos, opôs-se um modelo de resistência admirável: os quilombos.

Na Angola pré-colonial esses mitos de arraiais militares e núcleos habitacionais e comerciais, abertos a africanos de quaisquer etnias, já desempenhavam um papel político e econômico fundamental. Transplantada para as Américas, a instituição (chamada cumbe ou palanque na América hispânica) firmou sua importância na resistência à escravidão.

Mas de todos os quilombos americanos sem dúvida, o mais importante foi a confederação dé Palmares nascida por volta de 1590, quando escravos de um; engenho pernambucano, depois de uma rebelião sangrenta, refugiam-se na serra da Barriga, atual Alagoas, e lá criam as bases de um incômodo "Estado livre" em pleno Brasil colonial.

Até a destruição de seu reduto principal, em 1694 (cem anos depois), Palmares foi, de fato, um verdadeiro Estado autônomo encravado na capitania de Pernambuco: no auge de sua produtiva existência suas relações com as comunidades vizinhas chegaram a ter momentos de uma troca econômica rica e organizada. E essa autonomia, abalando a autoridade colonial, motivou uma repressão jamais vista.

De 1596 a 1716, ano da destruição de seu último reduto, os palmarinos suportaram investidas de 66 expedições militares e atacaram 31 vezes. E em toda essa luta avulta a figura do grande líder Zumbi. Estrategista comparável aos grandes generais da História ocidental, como Ciro, Aníbal, Alexandre e Napoleão, Zumbi dos Palmares, morto à traição em 20 de novembro de 1695, aos 40 anos de idade, é hoje visto como o maior líder da resistência anti-escravista nas Américas. O tricentenário de seu "ingresso na História", ora comemorado, é a final redenção de um dos maiores heróis da Humanidade.

Fundação Cultural Palmares

Em fins do século XVI, escravos de um grande engenho da capitania de Pernambuco, depois de uma rebelião sangrenta, refugiam-se na Serra da Barriga, na região conhecida como Palmares, hoje pertencente ao Estado de Alagoas, e lá se organizam em kilombo - misto de arraial militar núcleo habitacional e comercial supratribal e supra-étnico, comum na -Angola daquele tempo.

Já na virada para o século XVII, o número de escravos e libertos reunidos em Palmares, e que por necessidade de sobrevivência descia para saltear os engenhos vizinhos, somava centenas de quilombolas. E à desorganizac,ão inicial seguiu-se uma estruturação do reduto. Tanto que, por volta de 1630, Palmares já teria cerca de 3 mil aquilombados, desenvolvendo uma agricultura avançada para os padrões locais e da época, plantando cana-de açúcar, milho, feijão, mandioca, batata e legumes; fabricando artefatos de palha, manteiga e vinho; criando galinhas e porcos; e desenvolvendo uma organizada atividade metalúrgica, necessária à sua subsistência e à sua defesa.

A chegada dos holandeses a Pernambuco, em 1630, e as guerras que essa presença motivou facilitaram a fuga de mais gente para Palmares. Em conseqüência, o quilombo (agora já uma confederação de aldeias) foi se fortalecendo e se transformando em uma real e perigosa ameaça ao poder colonial. Aí, então, a repressão tomou corpo.

De 1596 a 1716, ano da destruição final da resistência quilombola na região, os palmarinos suportaram investidas de 66 expedições coloniais, tanto de portugueses quanto de holandeses. E, em 31 vezes, tomaram a iniciativa do ataque.

Ivan Alves Filho, importante historiador contemporâneo das guerras palmarinas, divide essa história em quatro fases: na primeira, que vai de 1596 a 1630, os ataques coloniais se dirigem a quatro ou cinco aldeamentos, na segunda, de 1631 a 1654, fase da ocupação holandesa de Pernambuco as investidas se concentram na cidadela de Macaco, principal reduto palmarino; na terceira, de 1655 a 1694, travam-se as batalhas mais encarniçadas, aí ocorrendo a queda de Macaco; e, finalmente, na quarta, ocorrem as mortes de Zumbi (1695) e de seus sucessores Camuanga (desaparecido em 1699) e Mouza do Palmar (1716). Mas em 1725 ainda há tropas militares na Serra da Barriga, antecipando a ocupação oficial do território que se dá, afinal, no ano de 1736.

Durante sua longa existência, Palmares teve vários chefes. Mas a História até agora conhecida reservou para dois deles, Zumbi e Ganga Zumba, o papel de protagonistas principais dessa verdadeira epopéia. E o ano de 1678 é o divisor de águas entre esses dois estilos de comandar: depois de sérias perdas suportadas pelos palmarinos em 1677, Ganga Zumba, então principal dirigente, negocia a paz com as autoridades coloniais e abandona a Serra com seus seguidores, provocando uma séria dissensão nas hostes palmarinas e o início da liderança de Zumbi.

Em 1680, no arraial de Cucaú próximo ao litoral, onde se estabelecera, Ganga 7.umba morre envenenado. E a partir daí a repressão a Palmares vai se tornando cada vez mais cruenta, com a participação de milhares de soldados, de milícias patrocinadas pelos senhores de terras e até mesmo de combatentes mercenários. Quinze anos depois, o líder Zumbi - após dezessete anos de combate em que se notabilizou como um dos maiores generais da história da Humanidade -, atraiçoado por um de seus comandados, morre, durante a expedição repressora de Domingos Jorge Velho.

A experiência palmarina foi a maior e mais longa contestação à ordem escravista em todo o mundo e em todos os tempos. Por extensão - e mesmo por ter sido Palmares um reduto que abrigava negros, índios e brancos pobres -, a saga de Zumbi é um rico episódio de luta contra o racismo. Assim, o dia que marca o seu "ingresso na História", 20 de novembro, foi escolhido como "Dia Nacional da Consciência Negra". Consciência que se amplia e se faz ainda mais alerta em 1995, ano do Tricentenário de Zumbi.

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